terça-feira, 31 de julho de 2012

Um medo vestido em crônica

Tablet: um moderno recurso multimídia. (Imagem: Google)
Acho que eu deveria ter nascido numa época mais remota, em tempos um pouco mais antigos: no final do século XIX, quem sabe? ou poderia ter sido no começo do século passado.

Não sei, mas talvez essa minha vontade talvez deva-se ao fato de me sentir extrememente bem e satisfeito quando leio um livro clássico, ou vejo cenas daquela época, costumes, vícios, roupas e até a linguagem me encanta. A música! Ah, já fui chamado de brega, doido e esquisito pelos leigos em "teoria da cultura" e considerado apegado demais "aquilo que já passou", pelos meus colegas da faculdade ou amigos de conversas um pouco mais compromissadas. 

Sei que nasci na época certa, ora! Assim, esse parzer de anseiar tempos passados só me chega por não tê-los vivido. Se eu fosse um grande amante de novelas, com certeza, as de época, como chamam, seriam as minhas favoritas. Adimiro o comportamento clásico dos senhores e senhoras, como se conquistam e se olham; por vezes me pego a imitar esses costumes e digo-lhes que até, inconscientemente.

Leitura, por exemplo. Vou lhes contar um negócio: tô com um medo danado de que os livros, jornais e revistas impressas sejam substituídos pela leitura digitalizada, na tela de um computador, de um tablet. É sério. Sei que esses recursos teconológicos viciam, pelo conforto, comodidade, portabilidade (se bem que o livro o é também), facilidade (internet), riqueza de aplicativos, diversidade e diversão também, para citar alguns dos benefícios desses recursos. E é por isso mesmo que tenho medo, e é por isso mesmo que quero morrer antes que os tablets invadam o quintal de minha casa e entre nas gavetas da cômoda, que não se vejam mais bibliotecas municipais com suas estantes volumosas e cheirosas a papeis velhos.

Se a tecnologia não tivesse esse poder esmagador de viciar as pessoas aos seus usos e utensílios, eu, urgentemente, juntaria dinheiro para comprar um tablet. Por enquanto, não. Prefiro o peso dos velhos debaixo do braço. O peso dos anos e dos livros que outrora, foram tecnologia, modernidade.

sábado, 28 de julho de 2012

Espaço Pintura Brasileira

MÁRIO ZANINI

Imagem: pinturabrasileira.com

Mário Zanini
Menino com Cabras
28 x 33 cm
Óleo sobre eucatex
ref.: a0814


Observe a placidez do ambiente, a rotina dos indivíduos de um pacato vilarejo.

Mário Zanini nasceu em São Paulo em 1907 e faleceu na mesma cidade em 1971. Filho de imigrantes italianos, sétimo de nove irmãos, fez o primário num grupo escolar do Cambuci, bairro onde passou quase toda a vida.

Em seguida matriculou-se no curso de pintura da Escola Profissional Masculina do Brás, que freqüentou de 1920 a 1922, e no curso noturno do Liceu de Artes de Ofícios (1924-26).

De 1922 a 1924 foi letrista da Companhia Antártica Paulista, no bairro da Mooca; desde 1922 fazia cópias de pinturas antigas, e em 1923 pintou sua primeira paisagem.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Um modesto Ensaio


Algumas questões de Estilo e Enredo em Minha Gente, conto de Guimarães Rosa.


Francisco Gesival Gurgel de Sales.


Expressão de mundo, de realidades, de possibilidades inúmeras de interpretações e vivências, meio de reflexão sobre a vida e sobre o ser humano, espetáculo artístico presente através da linguagem e dos diferentes estilos aplicados aos textos, a literatura transcende o simples conceito de “arte da palavra”. A palavra com a arte revela, a olho nu, as facetas cotidianas do ser, os caminhos psicológicos e palpáveis da vivência do homem. Através dela nos reconhecemos e nos distanciamos de nós mesmos, ficamos cara-a-cara com um ser plural, multipolar e indefinido; captamos algo que é a vida, que é o mundo, que é o ser, mas se estamos indo longe, reflexivamente, nos damos conta que estamos estáticos. Hora somos uma complexidade insana, hora, uma simplicidade tosca.  Conceituá-la é cair sempre em redundância. Os grandes nomes da literatura brasileira e suas grandes obras nos fazem assim pensar. Não nos deixam conclusões, porém mexem com nosso pensamento de maneira a nos causar um instigante conflito conosco e com o nosso exterior, ficamos, assim, inquietos, quanto à existência ou não de um mistério na vida. Buscamos a felicidade e o prazer, às vezes, por meio da razão e, às vezes, pela emoção. 

Guimarães Rosa é, sem hesitações, um desses gênios da literatura que nos remete a tal confusão. É um exímio contador de histórias que nos orienta nesse mergulho à alma humana e às suas possibilidades de construção e afirmação ou à sua leva de experiências interdependentes e várias. Junto a Machado de Assis, ele parece ser um dos maiores ícones na arte de contar casos com um estilo específico que sempre nos incomoda e perturba a crítica literária. 

Neste falível e modesto trabalho, nos limitamos a discutir um pouco essas realidades na vida do ser humano e como, estilisticamente, Guimarães usa a linguagem para expressá-las, situando a obra no contexto do Pós-Modernismo Brasileiro. Para tanto, usaremos o conto “Minha Gente”, do livro Sagarana, obra do mencionado autor, para muitos, pós-moderno.

O conto Minha Gente

À leitura de Minha Gente, ficamos fascinados pela forma simples de se contar uma história tão cotidiana, que engloba tantos elementos, que de tão medíocre, são essenciais a nossa vida. Talvez seja, de todo o livro, o conto mais bem elaborado tecnicamente, com uma história tão bem tramada e contada. O autor utiliza os mais diversos elementos do cotidiano regionalista, fazendo com que o leitor esteja o mais presente possível no enredo, no sertão de Minas Gerais, como na cena que inicia a trama:

"Quando vim, nessa viagem, ficar uns dias na fazenda do meu Tio Emílio, não era a primeira vez. Já sabia que das moitas de beira de estrada trafegam para a roupa da gente umas bolas de centenas de carrapatinhos, de dispersão rápida, picadas milmalditas e difícil catação; que a fruta mal madura da cagaiteira, comida com sol quente tonteia como cachaça; que não valia a pena pedir e nem querer tomar beijos às primas; que uma cilha bem apertada poupa dissabor na caminhada; que parar à sombra da aroeirinha é ficar com o corpo empipocado de coceira vermelha; que quando o cavalo começa aparecer mais comprido, é que o arreio está saindo para trás, com o respectivo cavaleiro; e, assim, longe outras coisas. Mas muitas mais outras eu ainda tinha que aprender."

Esse simples trecho, dá ao leitor a impressão de que o autor tem total controle da construção do cenário, um espaço vivo e tangível, real na sua descrição, que envolve-nos, de início e nos leva ao desenrolar de uma detalhada história adequada perfeitamente aos moldes do conto tradicional, porém com uma roupagem e um estilo únicos modernos, ou melhor contextualizando, pós-moderno.
O autor, através da figura narratológica, parece respirar aqueles ares de fazenda transpondo a quem lê, a mesma sensação de caminhada ao seu destino. Esse destino, que para a personagem é a fazenda do Tio, nos remete a pensar-lhe o destino também do conto. Em sua totalidade, o texto é bem aplicado aos moldes do conto literário. Todavia, e sem pecado algum, além dessa forma narrativa e do estilo corrido, claro e transparente, Guimarães reinventa a linguagem de tal forma que o sertanejo encontra-se com seus valores de ser humano ligado a um cotidiano vivo, como bem encontramos em William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães em seu Português: linguagens do ensino médio: “a obra surpreendeu a crítica, em virtude da originalidade de sua linguagem e de suas técnicas narrativas...” e mais à frente, resumindo bem o caráter pós-moderno e estilístico de Rosa:
A novidade linguística trazida pelo regionalismo de Rosa foi a de recriar, na literatura, a fala do sertanejo não apenas no plano do vocabulário, como outros autores tinham feito, mas também no da sintaxe (a construção das frases) e no da melodia da frase. Dando voz ao homem do sertão por meio de técnicas como o foco narrativo em primeira pessoa, o discurso direto, o discurso indireto, o monólogo interior, a língua falada no sertão está presente em toda a obra, resultado de muitos anos de observação, anotações e pesquisa linguística. (p. 463)

Esse novo perfil da narração na literatura situa o autor em questão num ambiente além do modernismo e do puro regionalismo. Guimarães é pós-moderno, graças, dentre outros aspectos, ao seu estilo novo. Sua maneira de expressar a realidade, de mostrar através da teia de relações que une as personagens de Minha Gente como as pessoas agem e arquitetam seus destinos de modo que não percebem ou ignoram a força das consequências das suas ações ou da ausência de suas atitudes que para muitos são caprichos do destino . Guimarães trata dos temas solidão e amor de maneira caprichosa, interseccionando decepções, ânsias, pretensões e acontecimentos múltiplos que se intercalam num extremo “apego à vida, fauna, flora e costumes de Minas Gerais” .
Usando seu estilo único de expressão, Guimarães Rosa construiu um conto sumariamente contido na sua forma e rico no que diz respeito ao sentido ou à interpretação. Racional no tratamento com a fraqueza humana diante do destino e da flexibilidade da vivência e sentimental na maneira de selecionar temas tão reflexivos que abordam tantas questões da alma e do dia-a-dia, Minha Gente traz inúmeras faces pra se pensar a vida, vários caminhos para se deleitar com a arte, que talvez, seja mais que imitar a realidade; seja ela, porventura, a própria realidade perante o leitor.


REFERÊNCIAS

ROSA, João Guimarães. Sagarana. 31ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

CEREJA, William Roberto, MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português: linguagens. 1ª edição. São Paulo: Editora Atual. 2003.

http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/m/minha_gente_conto. Acesso em 19/02/2012.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Rir para não chorar!

Charge retirada de www.charge online.com.br - do Jornal O tempo/MG



Se no Brasil, GREVE já é um estilo de vida político, dessa vez as coisas mudaram, agora é moda. Só nos últimos dois anos, para exmplificar, na UERN foram duas greves absurdas, com reuniões, assembleias, acordos: atrasos e perdas. Agora, se vemos o noticiário da TV ou impresso, notamos que a moda pegou mesmo. Até as  instituições de ensino federais, tão elogiadas no nosso estado pela rigorosidade metódica, técnica e administrativa, estão com suas atividades paradas, e há uns bons dias!

...mas as coisas conservam suas dualidades, que os senhores(a) leitores(a) já conhecem: é a clássica história da ordem e do caos. Ninguém pode fugir disso.

terça-feira, 24 de julho de 2012

"Batendo as porteiras"

O problema é velho, as discussões também. O problema é crônico para os nordestinos e, para nós, que moramos nessa caatinga bonita e de extensão infinda, o problema é sério. O problema, leitor, é lírico. Sim! Pode chamar, se quiser, de poético.

Ontem à tarde, conversando mais uma vez, com Sr. França, morador do Sítio Vertente da Mala - pai de minha namorada, tornei a dar-me conta da situação difícil do agricultor, vítima (essa designação traz-me dúvidas) fatal da falta de chuvas por longos períodos: a nossa periódica e assídua seca. O problema traz outros, pois como também é criador, e vive disso em parte, na outra parte, da agricultura, falta recursos para alimentar o gado, falta comida para os animais. A égua já foi solta. O gado se alimenta, enquanto está dando, do resíduo de caroço de algodão, comprado a preço um pouco alto.

E, como, passando por uma outra propriedade (cercado), antes da conversa mencionada, vi um cavalo nas últimas, magérrimo, com as ancas quase expostas e as costelas, cobertas apenas pelo couro, entendi mais profundamente, e poeticamente, o problema. O cercado era muito pequeno e de comida só tinha salsa, mas salsa os animais não podem comer, causa-lhes náuseas e podem levá-los à morte (as razões biológicas, não as entendo de muito). Ademais, areia. Só areia, terra muito quente que o coitado pisava.

Acho que o dono deveria pelo menos soltá-lo, ou, na expressão do meu sogro, "bater a porteira" e deixar que o último animal que dê com a cancela aberta, saia à procura de raíses secas e sacos plásticos.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Um Poema

A dança dos ventos


Francisco Gesival Gurgel de Sales

Os ventos de hoje amanheceram travessos
E querem, à força bruta, levar com seus fracassos
Os parcos fios de bananeira do quintal.
As crianças, que brotam aos poucos de suas redes,
Se preparam para as aulas
E as donas-de-casa passam espertas
Com baldes na cabeça,
Com sacolas nas mãos,
Com seus gritos matinais.



Os homens, agora escassos, correm racionais à luta do dia,
As galinhas, porcos, pássaros, cabras, vacas e rádios fazem a algazarra
Mas os ventos estão por demais fortes
Que as formigas se agarram aos fragmentos do chão.
E a euforia do vilarejo se envolve aos ventos
De forma simples e calma
Que posso facilmente enganar-me
Ou perceber tudo,
Ao rosnar do gato nos meus chinelos,
Daqui mesmo do batente da cozinha.

Lendo Cezar Dias


Antes de ir direto ao ponto, isto é, compôr esta postagem expondo-lhe sua real culminância, - o que também, ansiosamente, objetivo - quero dizer que, sem dúvida alguma, pretendo aconselhá-lo, parceiro leitor. Sim, anseio que o que se vem sirva-lhe pelo menos para pôr risadas sarcásticas no rosto. Não! se causar-lhe indiferença, pra mim já está ótimo!

Mas não é nada de fantástico. Há tempos tenho um "Tubarão com a faca nas costas" na estante da sala, porém nunca o abrira. Este livro de crônicas do escritor gaúcho Cezar Dias me foi doado por uma escola simples da minha comunidade, estava às moscas, nunca havia sido lido, mais uma vez: sequer aberto. Ontem à tarde, resolvi ler para minha namorada uma de suas crônicas. A leitura é maravilhosa, os textos são muito bem organizados e compostos, receberam elogios do grande Moacyr Scliar.

Gostei tanto que sentei na cama e li todas as outros textos do livro nesta tarde de ontem. Vou apresentar uma só crônica e peço, emocionalmente, que procurem ler as outras.

Gestos

O menor gesto que fazemos pode influenciar no andamento do universo. E não falo somente de gestos humanitários, como dar carinho a uma criança, comida a um faminto ou teto a um desabrigado. Falo de qualquer gesto, o mais banal. Quem afasta, por exemplo, uma mecha do cabelo caída sobre os olhos pode arrebatar um coração, deixar quem está indo a rumo certo sem norte e sem sul.

Pensei nisso depois que um amigo me contou uma história. Andava ele pela Rua da Praia, numa tarde de folga. Dava alguns passos e entrava numa livraria, avançava mais um pouco e parava em frente a uma vitrine. Estando assim, sem muito que fazer, olhou para um corpo de uma mulher, mais especificamente para o decote de um vestido primaveril. A mulher, que não estava só, notou; o companheiro, que não era bobo, também; e meu camarada, que sabe não se importar, seguiu adiante, parando em frente a vitrines, entrando em livrarias, até chegar ao bar onde nos encontramos e me deixar a par do assunto.

Passadas duas ou três cervejas e umas boas risadas, começamos a imaginar o que teria acontecido à moça, dona do decote.

O namorado pode ter largado a mão dela e dito que todo mundo estava olhando, que ele não gostava que ela usasse aquele vestido, parecia uma vagabunda. Ela pode tê-lo chamado de idiota, o que ele estava pensando, vagabunda não! Cada um pode ter seguido seu caminho. Eles, que iam para o mesmo, para a casa dele fazer amor. Agora, talvez, nunca mais.

Outro desfecho é possível. O rapaz segurou firme a mão da namorada e a trouxe para mais perto de si; ela deu um olhar malicioso – ou lânguido – para ele, dobraram na Borges, entraram num táxi e foram a casa dele; tiraram a roupa, beijaram-se na boca e deram ao flerte de meu amigo uma utilidade melhor: fizeram amor como nunca.Tudo hipóteses. De qualquer maneira ninguém fica indiferente a um gesto. E assim o mundo segue e dar voltas, sem que isso tenha nada a ver com os movimentos de rotação e translação.



DIAS, Cezar. Tubarão com a faca nas costas. Brasília: Ministério da Educação, 2006.